A formação inicial do IODO:(da direita para a esquerda)Luís Cabral - tecladosRui Madeira - vocalistaTó Pê - baixoAlfredo Antunes - bateriaJorge Trindade - guitarraO Iodo nasce como tantas de bandas de originais ou de covers, que vulgarmente se chamam de bandas de garagem.
As que me lembro aqui da zona, vulgarmente chamada de Margem Sul, ou outra margem, ou lado de lá, ou até margem esquerda, eram o Iodo, os UHF, os Xutos e os Rock & Vários.
Mais tarde aparecem o Grupo de Baile, do Seixal, mas já aproveitando a onda do tão falado
Rock Português.
Alguns dos elementos do R&V vêm de uma banda de baile, que ensaiava perto de Azeitão, de nome
Turma 66. E alguns fundadores do Grupo de Baile, tocaram no
Código.
Na minha opinião e que penso partilhada por outros, a haver
Rock Português e
Pai do Rock, este nunca seria o Rui Veloso, mas sim os UHF.
Quando integrei o Iodo, já o Alfredo, baterista, tinha contactos com os UHF e com os Xutos. Eles eram para nós o exemplo e a motivação de que

uma banda podia tocar rock e cantar em português, e acima de tudo podia gravar.

Os UHF já tinha editado o "Jorge Morreu", e os Xutos, o "Semen".
E o que dizer do êxito obtido com o "Cavalos de Corrida"?
Se ser pai do Rock é vender muito, neste caso os UHF foram-no.
Se era cantar em português, estas bandas já o faziam.
O fenómeno Rui Veloso fez abrir o circuito comercial, a músicos e bandas cantando em português, mas não o chamo de rockeiro. O Rui é muito mais R&B e baladeiro do que rockeiro.
Houve uma colagem estratégica que interessou a todas as partes.
Note-se que não estou a tirar nenhum mérito ao Rui Veloso. Sou adepto desde a primeira hora da obra dele. Conservo intacto o LP "Ar de Rock". São os temas dele que mais canto na minha onda acústica. Afirmo que ele é essencial ao panorama musical luso. Qua a música portuguesa sem ele sería mais pobre. Mas do que se trata aqui é da legitimidade da paternidade do
Rock lusitano.No caso Rui Veloso não podemos esquecer de dividir o mérito à aposta da editora, e ao génio Carlos Tê, pois sem ele o Rui seria muito menos.
E depois vem a questão: o que é rock e o que não é rock. Quem pode a rigor definir a fronteira? Um rock lento é um slow rock? Claro que não. E a que velocidade deixaría de o ser, se o fosse?
Rock cantado em inglês, por músicos portugueses encaixa na definição? Ou será
anglo-luso?
Era necessário um rótulo. E este rótulo serviu para dar corpo a uma invasão de bandas que vinha à corrida do ouro, leia-se vinil, proporcionada pela avida procura das editoras.
Podemos também considerar mais outro pai do rock. O Júlio Izidro, que com as suas emissões de rádio em directo do cinema Nimas, ao sábado de manhã, com o seu "Febre de Sábado de Manhã" deu a divulgar ao país inteiro o tão recente fenómeno que era o
Rock Português.Mas era tudo comandado pelas editoras, não tenhamos ilusões. Tal como fora em 74 e 75 com as cantigas de intervenção, após a revolução de Abril, em que qualquer marmanjo vestido de ganga, barbudo e cabelo oleoso pegava numa viola com autocolantes do Che, e ao som dos acordes Dó, Fá e Sol, debitava umas quantas palavas tipo revolução, opressão, ditadura não, morte ao fascismo, etc.
Houve portanto na época um grande aproveitamento por parte de todos os interessados na abertura criada pelo sucesso do "Ar de Rock", e por isso essa onda teve de ter um nome:
Rock Português. E teve de ter um pai:
Rui Velo
so. Já agora me pergunto quem será a mãe, se a Adelaide Ferreira ou a Lena d'Água... Ou o José Cid, que já se auto-proclamou de mãe...
Embora algumas das poucas biografias que rezam sobre o Iodo, digam que nós viemos com o
boom, é mentira. Estávamos formados antes, e a trabalhar, embora todos saibamos que seria pouco provável que ascendessemos ao que tivemos se não fosse a boleia do
boom.Por outro lado, eu sempre defendi isso, a volátil projecção do Iodo e outros grupos, pode ter sido causadora de mortes prematuras. Não houve espaços para amadurecimentos nem capacidade para gerir derrotas. Estávamos na casa dos vinte anos, onde todos os sonhos e ilusões ainda nos são permitidos.
Por via da necessidade do mercado, muitos meninos saíram dos seus quartos onde cantarolavam os seus ídolos, e das suas garagens onde arranhavam uns temas ,e são colocados em palcos, com PA's, iluminação, público, programas de tv, top's nos rádios, hoteis, carros alugados, fãs, etc. Isto deslumbra qualquer um, e dá a errada sensação de que tudo é fácil e possível.
Hoje considero que se todos os elementos do Iodo, tivessem percorrido um caminho maior e acima de tudo mais duro, para chegar aos palcos e a um estúdio, o Iodo não teria acabado de forma tão efémera com acabou.
Voltando ao início.
Como já referi no post dedicado ao
Eléctrico houve uma dificuldade da minha parte na forma de ensaiar.
Se nas formações anteriores a que pertenci, a música a ensaiar estava feita, e era uma questão de a copiar literalmente, tentando que a execução fosse tão parecida quanto possível ao original, aqui o caso era inverso.
No início íamos desbundando em cima de
frases musicais que um ou outro apresentava, mas sem a construção da música definida.
Das primeiras Saídas aos SinglesFoi assim que aos poucos, o "Malta à Porta" e "a Canção" foram construídas. Aproveitando excertos e colando aqui e ali.
Já os temas dos lados B, "Aqueles Dias" e "Pedro e o Lobo" são da autoria do TóPê e minha, embora por acordo geral, os temas seriam registados como sendo da autoria da banda.

No "Malta à Porta", não temos um tema com o corpo habitual numa música comercial ou formal se assim podemos chamar. Ou seja, com introdução, estrofes, refrão e final, e eventualmente um solo a meio. Temos no nosso
hit vários fragmentos colados, entre malhas imaginadas individualmente e juntas em grupo. O tema não tem refrão. Tem uma repetição da frase
vejo malta à porta, mas que não considero refrão. Começa e termina com um coro
"oh oho oh oho" mas com acordes diferentes. Fiz a letra (nunca gostei muito do que escrevo e acho que não tenho a arte) um pouco para forçar a construção da música.
Malta à Porta(L.Cabral / A.Antunes / Topê / R.Madeira / J.Trindade)Se pensas em andar pela rua à procura do amanhãPodes ficar bem contigo, mas não és só tuNão podes ficar preso a uma ilusãoTens de ter amigos a quem dar a mãoNão queiras assinar documentos em papel molhado (1)Pois ao fim e ao cabo sais sempre lixado (2)Tens de fazer força pelo que há-de virAbre a tua mente e deixa-te irDeixa-te irVejo malta à porta, vejo malta à portaHá malta à porta, há malta à porta(1) plágio descarado ao Sérgio Godinho.(2) os ventos de censura ainda latentes nos anos 80, levaram o Manuel Cardoso, o nosso produtor a "sugerir" substituir a palavra lixado por cansado, como se ouve no disco.O lado 2 do single é um tema muito genuíno. Todo construído pelo TóPê. Logo, todo TóPê.
O TP tinha tudo de génio e de louco. A música brotava de dentro dele, enquanto todos nós nos esforçavamos por um pouco de inspiração e originalidade.
O "Aqueles Dias" era um tema bem estruturado, e com muita força, tanto no disco como ao vivo.

Disco colocado no mercado contra a vontade do Iodo, "A Canção" tem como base um trecho musical que o Cabral desenvolveu, do qual sempre gostei partcularmente, que se escuta a seguir ao 2º refrão. A partir dessa composição construí o resto da "canção". É um tema muito "new-wave", não com a força do "malta à porta" mas na minha opinião, com um instrumental particularmente bem conseguido.
No lado 2, está "O Pedro e o Lobo". Para mim o tema mais fraco dos quatro que gravámos no Angel Studio. Mas na altura da gravação não pensávamos que alguma vez a música fosse editada...
Com outros temas originais, e no início recorrendo a alguns temas fortes do "Eléctrico", começámos a nossa incursão nos concertos. A colaboração dos UHF foi muito importante nesse sentido, pois abriu-nos as portas em alguns palcos, onde fizemos as primeiras partes deles. Aprendendo com eles sobre a forma de estar em palco, e tendo acesso à divulgação da nossa música, o que neste início era meio complicado pois todos os nossos temas eram desconhecidos.
DO MAR PARA O ROCKCom os primeiros concertos, com o mealheiro do Eléctrico, e a agenda razoávelmente preenchida, o Iodo adquire o seu próprio PA da Furacão. Ficando a banda a ter uma total autonomia, não deixando no entanto de aproveitar as boleias que a banda do António Manuel Ribeiro nos proporcionava para fazer as primeiras partes.
Com todos os proveitos que tiramos em nos colarmos aos UHF, fazer as primeiras partes de uma banda cabeça de cartaz é sempre um trabalho complicado. Por tudo. Primeiro porque estamos um pouco à mercê da banda principal, e tudo tem de rodar conforme os seus desejos e vontades.
Desde o horário para fazer som, à disposição do back-line no palco, até ao próprio som que sai tanto para o palco como para o público, tudo está condicionado ao formato da banda principal. para não falar do público que óbviamente está no recinto para assistir ... à banda principal, que neste caso estava "em altas" graças ao estrondoso impacto que o "Cavalos de Corrida" provocou. Estávamos no início de 1980, e antes do "Chico Fininho" já se gritava por esses palcos fora: "agora, agora, agora, agora, tu és um cavalo de corrida..."
No caso dos concertos com os UHF, houve uma aceitação geral por parte do público deles ao nosso grupo, e além do mais as nossa bandas desenvolviam boas relações tanto a nível de músicos, como de road-managers, e roadies. Pelo que o trabalho era mais facilitado.
Além do mais o som UHF e o do Iodo, era totalmente diferente, embora por curiosidade eu e o Renato Gomes, o guitarrista e meu ex-colega de Liceu, tocássemos com duas guitarras exactamente iguais, as Gibson The Paul.
Em outros palcos, com outras bandas, por vezes existiam aquelas corriqueirices típicas da competição que nunca devia existir na música. Tipo chegarmos a um palco e os espaços estarem ocupados tão estratégicamente que ficava difícil colocarmos o nosso back-line de forma a permitirmos criar o nosso espaço habitual.
Música é partilha, logo não pode haver competição, porque não é desporto.
As bandas com as quais estivemos mais à vontade, foram os Trovante e os Jáfumega. Era um respeito mútuo, uma partilha que tinha como objectivo apenas servir quem nos iría escutar.
A pior experiência em tudo foi na primeira parte do Iggy Pop, no Dramático de cascais.Episódio a que me referirei detalhadamente.

E até pisarmos o palco do Rock Rendez-Vous e sermos convidados a gravar um single não demorou muito.
Penso que nenhum de nós pensou viver aqueles tempos de éfemero estrelato.
o pavilhão do DramáticoO IODO nas Paivas em 11.07.1980

